Por Gustavo Risério
Nos termos do Código Civil de 2002, o nome é composto de prenome e sobrenome, sendo este “todo nome que se ajunta ao prenome e forma, com ele, o nome. De modo que todo nome é composto de prenome (Francisco, Maria da Pena, Francisca Maria) e do sobrenome” (Cavalcanti Pontes de Miranda). (PONTES DE MIRANDA, 1966, p. 240)
A lei brasileira protege o nome de tal forma que restringe a possibilidade da alteração do mesmo conforme a lei 6.015/73, devendo o prenome respeitar os limites do art. 56 da referida lei, bem como o sobrenome resguardar o apelido de família.
A lei de registros públicos traz outros termos para composição do nome, prenome, patronímico e apelido, sendo estes dois últimos sinônimos e correspondem ao sobrenome que se refere o Código Civil.
Nos primórdios da humanidade o nome encontrava-se ligado à pessoa e sua família. Deveria o nome identificar o indivíduo e, principalmente, a qual família pertencia.
A necessidade de se transmitir o sobrenome paterno, além de identificar a qual gens pertencia o indivíduo, detinha um caráter religioso. Portanto, os deuses das primeiras religiões eram os antepassados do indivíduo; e este carregando o nome de seus antepassados, detinha, principalmente, a obrigação de prestar as devidas homenagens aos seus antepassados.
Assim, desse caráter religioso dado aos sobrenomes paternos, vinha a razão de ser imutável o nome da pessoa; ocorrendo somente quando a mulher casa-se, caso em que passava a pertencer a religião do marido e prestar homenagens aos antepassados deste.
Também, era possível a mudança do sobrenome paterno nos casos em que o indivíduo, por alguma afronta aos seus familiares, era expulso da família e de sua religião; e, assim, sendo renunciando aos seus deuses.
O direito romano permitia a mudança dos nomes; e, até que a Igreja católica estabelecesse o registro paroquial, foi essa mudança relativamente fácil. A proibição surgiu primeiro em França para defesa dos nomes dos nobres. Porque parnemus endinheirados compravam os feudos e se apropriavam ilegitimamente dos respectivos nomes. Uma Ordenança de Henrique II, de 26 de março de 1555, proibiu a todas as pessoas mudança de nomes sem obterem des lettres de dispense et permission. O que foi imitado por outros Estados, e assim, mantido por motivos de segurança e polícia. (CUNHA GONÇALVES,1968, p. 229-230)
Observa-se que as razões para restringir a mudança de nome, em diferentes períodos da história, são pautadas nas convicções religiosas ou sociais; na vaidade de diferenciação econômico-social e por motivos de interesse público.
A norma prevê a possibilidade da alteração do nome até um ano após a completa a maior idade. Mas, preservando-se os sobrenomes familiares e, posteriormente, em casos excepcionais e motivadamente.
Também é prevista a possibilidade de alteração do nome nos casos de casamento ou sua extinção. Estendendo-se à união estável, nos casos de enteados e, por fim, nos casos de enteados requererem por motivos ponderáveis.
Considerando-se que o nome é um direito de personalidade e este direito encontra-se a égide do princípio da dignidade da pessoa humana, pode-se afirmar que, o nome, além de atender ao interesse público, deve, primordialmente, atender aos anseios da pessoa que o carrega.
Levando-se em conta que a lei 6.015/73, em seu artigo 58, estabelece a possibilidade da pessoa substituir seu prenome por apelido público, os tribunais entendem ser igualmente legítimo e necessário a alteração do prenome de pessoas que se declarem transgêneros.
Sobre esta possibilidade apresentamos o julgado do Superior Tribunal de Justiça em sede de
REGISTRO PÚBLICO. MUDANÇA DE SEXO. EXAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME NA VIA DO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SUMULA N. 211/STJ. REGISTRO CIVIL. ALTERAÇÃO DO PRENOME E DO SEXO. DECISÃO JUDICIAL. AVERBAÇÃO. LIVRO CARTORÁRIO.
1. Refoge da competência outorgada ao Superior Tribunal de Justiça apreciar, em sede de recurso especial, a interpretação de normas e princípios de natureza constitucional.
2. Aplica-se o óbice previsto na Súmula n. 211/STJ quando a questão suscitada no recurso especial, não obstante a oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pela Corte a quo.
3. O acesso à via excepcional, nos casos em que o Tribunal a quo, a despeito da oposição de embargos de declaração, não regulariza a omissão apontada; depende da veiculação, nas razões do recurso especial, de ofensa ao art. 535 do CPC.
4. A interpretação conjugada dos arts. 55 e 58 da Lei n. 6.015/73 confere amparo legal para que transexual operado obtenha autorização judicial para a alteração de seu prenome, substituindo-o por apelido público e notório pelo qual é conhecido no meio em que vive.
5. Não entender juridicamente possível o pedido formulado na exordial significa postergar o exercício do direito à identidade pessoal; e subtrair do indivíduo a prerrogativa de adequar o registro do sexo à sua nova condição física. Impedindo, assim, a sua integração na sociedade.
6. No livro cartorário, deve ficar averbado, à margem do registro de prenome e de sexo, que as modificações procedidas decorreram de decisão judicial.
Recurso especial conhecido em parte e provido. (REsp 737.993/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 10/11/2009, DJe 18/12/2009)
Dessa forma, reconhece o Tribunal que a possibilidade de mudança de prenome trata-se exercício do direito à identidade pessoal para garantir a sua integração na sociedade.
Gustavo Risério é sócio do escritório Souza Risério Soares Sociedade de Advogados, pós-graduado em Direito Processual, Direito Empresarial e Direito Notarial e Registral pela Universidade PUC/MINAS.